Revista Mirante celebra 30 anos neste sábado

Os editores Sidney Sanctus, Valdir Alvarenga e edições passadas da revista

A 79ª edição da revista Mirante não é uma edição qualquer: celebra os 30 anos da publicação literária independente mais antiga do país. O evento, multicultural, será neste sábado (24), a partir das 20h, no Ao Café.

A noite terá, além do lançamento, com as presenças dos editores Valdir Alvarenga, Sidney Sanctus e Irene Estrela Bulhões, e colaboradores, danças do ventre, cigana, do leque, e leitura da borra do café, com Yam.

Com 82 páginas, e preço de R$ 10, cada exemplar da Mirante presenteia o leitor com poesia, prosa, caricaturas, críticas de cinema, desenhos, entre outras formas de expressão artística.

Nesta ocasião, especialmente, a revista traça um retrospecto de suas três décadas de atuação.

Em sua trajetória, a publicação resgatou a obra de autores consagrados – publicou textos de Vinícius de Moraes, Rimbaud, Pablo Neruda e T.S. Eliot, entre outros -, bem como disseminou autores da Baixada Santista – Roldão, Madô Martins, Narciso de Andrade, Carolina Ramos, Sidney Sanctus – e outras localidades do país e até Portugal. São mais de cem autores e artistas publicados.

A cada edição traz um tema em destaque, seja ligado ao signo do mês, bem como a datas importantes.

Realizada dessa forma, mantém uma forte ligação com o passado, em alguns casos um passado quase esquecido e ressuscitado pela publicação, porém sem esquecer a modernidade.

Serviço:
Lançamento da Mirante 79 – especial 30 anos
Quando: Sábado, 24 de novembro, 20h
Onde: Ao Café – Av. Siqueira Campos, 462, Boqueirão, esquina do Caal 4 com a rua Lobo Vianna
Entrada franca

| Entrevista com Valdir Alvarenga
| Entrevista com Sidney Sanctus

História

Fim dos anos 70, começo dos 80. Os militares ainda estavam no poder, mas teriam apenas mais alguns poucos anos no (des)comando político do Brasil. Na capital Brasília, Renato Russo e companhia, garotos endinheirados, filhos de diplomatas e políticos e, em São Paulo, uma molecada da Zona Leste, que precisava batalhar o pão de cada dia, tinham algo em comum: descobriam a liberdade de criação musical pelo punk rock. Influenciados pelo lema “faça você mesmo”, que já havia eclodido no Reino Unido e nos EUA, criavam música sem esperarem o apoio das grandes gravadoras.

Outros jovens, de Santos, litoral paulista, sem ligação com o punk e nem a influência estrangeira, faziam eles mesmos a difusão da literatura através do Picaré: núcleo de escritores criado por Raul Christiano Sanchez e Rafael Marques em 1979. Assim como os músicos que atuavam fora do mainstream, e por isso muitas vezes incompreendidos por cabeças reacionárias, os escritores do grupo, de cunho antiacademicista, realizavam o que ficou conhecida como poesia marginal. Fez-se então o embrião do que, pouco tempo depois, seria a Mirante

Um dos grandes marcos na época do Picaré foi a Feira de Literatura Independente, de 1981, onde a poesia dominou o foyer do Teatro Municipal de Santos por uma semana, com mostras de livros, varais de poesia, recitais e mesas redondas, tomadas por autores de todos os cantos do Brasil. “No final do evento, a apoteose: Santos, cidade de memoráveis passeatas de reivindicações políticas e estudantis, pela primeira vez viu uma passeata poética, que seguiu pela avenida Ana Costa, rumo à praça Independência”, recorda Valdir. No evento, encontravam-se Antonio Canuto, Edilza de Souza, Sergio Marques Ferreira, Orleyd Faya, Fausto José, Vieira Vivo, Inês Bari, Sidney Sanctus, que viria a se tornar coeditor da revista, e o próprio Valdir.

Durante sua existência, o Picaré editou e lançou importantes trabalhos, como Plenilúnio, primeiro livro de Valdir; Sol da Noite, de Inês Bari; Caosurbanocromia, de Alex Sakai, e Fruto Futuro, de Canuto, além de A Produção Independente na Literatura, catálogo para o movimento produzido por Raul Christiano. “Mas como tudo – na vida – que começa tem um fim, o grupo Picaré encerrou suas atividades pesqueiro-poéticas, mas seu espírito continuou e continua através de Mirante”, diz Alvarenga.

O começo e o crescimento da revista “mutante”

Reunião do Picaré em dezembro de 1981 – Valdir é o sexto em sentido contrário

Em 1982, Valdir e Antônio Canuto, numa necessidade quase física em continuar a produção literária alternativa e abrir espaço para novos autores, criaram a Mirante, de postura ética livre e engajamento político e partidário diferente da linha editorial do Picaré. O nome foi escolhido por Alvarenga: “No morro da Penha, onde fui criado, havia um mirante que me possibilitava avistar a Cidade”, lembra.

Desde então, a revista desenvolveu seu caráter “mutante”, como costuma definir o editor. Feita a partir de folhas de sulfite A4 e então mimeografada, a Mirante trouxe em seu número 1 “A Arte de Araquém (Alcântara)”, fotógrafo que teria seu trabalho reconhecido internacionalmente, e uma célebre entrevista com o jornalista e escritor Roldão Mendes Rosa, falecido em janeiro de 1988. Vale republicar trecho da matéria, reproduzido em reportagem do jornal A Tribuna, de Santos, em 12 de abril de 2010.

Ao ser perguntado sobre qual a importância das academias para a literatura, Roldão respondeu: “Se um dia as academias fossem fechadas – eu não defendo isso, a vida literária continuaria a fluir do mesmo modo. Quem cultiva rosas continuaria a cultivá-las e quem planta batatas continuaria a plantar batatas. O que interessa das academias, atualmente, é o prêmio literário. O premiado edita seus poemas, fica um mês de papo pro ar e compra um tênis na esquina”, disparou.

E a Mirante seguiu a passos largos e independentes sem render-se à academia e ao mainstream, muitas vezes fazendo mais pela cultura do que determinadas entidades oficiais.