details-image nov, 27 2025

Enquanto os navios permanecem parados nos cais de Lisboa, Sines e Setúbal, o silêncio não é de paz — é de crise. A greve dos trabalhadores portuários, liderada pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores Administrativos das Administrações Portuárias (SNTAP), foi estendida até 13 de dezembro de 2025, e já provocou perdas superiores a €5 milhões apenas nos últimos dois meses. O conflito, que começou em outubro, é a segunda onda de paralisação desde que um acordo foi assinado em dezembro de 2024 — e ainda não foi implementado. O que deveria ser um fim de negociação virou uma guerra de silêncios entre o sindicato e o Ministério das Finanças.

Por que o acordo de dezembro de 2024 ainda não foi aplicado?

O SNTAP afirma, em nota prévia à greve, que o Ministério das Finanças tem recusado sistematicamente a execução do acordo assinado em 18 de dezembro de 2024 entre o sindicato e todas as administrações portuárias. O texto do acordo, ainda não divulgado publicamente, supostamente inclui reajustes salariais, melhorias nas condições de trabalho e regras claras para turnos noturnos — itens que o sindicato considera essenciais para reter profissionais qualificados. Mas, segundo fontes internas, o Ministério alega que a proposta ultrapassa os limites orçamentários definidos para o setor portuário. O problema? O acordo foi negociado e assinado pelas próprias administrações portuárias — entidades que, por lei, têm autonomia para contratar e definir salários. O Ministério, então, está interpondo-se como um veto externo, sem apresentar uma contraproposta concreta.

As consequências já são visíveis — e devastadoras

As portas dos portos não estão apenas fechadas — estão sendo fechadas para o mundo. A Agepor (Associação dos Agentes de Navegação de Portugal) registrou mais de 40 cancelamentos de escalas de navios de carga e passageiros desde outubro. Navios da MSC, Maersk e CMA CGM já desviaram rotas para Roterdã e Algeciras. O porto de Setúbal, que em 2024 movimentou 1,2 milhão de toneladas de carga, viu sua movimentação cair 67% em novembro. O impacto não é só econômico: é social. Milhares de caminhoneiros, empacotadores, tradutores, fornecedores de alimentos e até guias turísticos que atuam nos cruzeiros estão sem renda. "É como se a cidade inteira tivesse parado de respirar", disse Maria Fernandes, dona de um restaurante junto ao cais de Sines, que viu suas vendas caírem de €8.000 para €900 por semana.

Uma carta urgente ao Primeiro-Ministro

Uma carta urgente ao Primeiro-Ministro

Em 26 de novembro, um grupo inédito de entidades — incluindo Agepor, a Comunidade Portuária de Setúbal, a Associação Portuguesa de Logística e o Sindicato dos Trabalhadores Marítimos — assinou uma carta aberta ao Primeiro-Ministro Luís Montenegro. O documento é raro pela unidade dos signatários: normalmente, empresas e sindicatos estão em lados opostos. Mas aqui, todos concordam: o impasse está matando o setor. A carta diz claramente: "A prolongação deste conflito, que já resultou em duas greves, tem consequências devastadoras para a economia e para a imagem dos portos portugueses". E pede, com urgência, que o Governo medie o diálogo. "Não queremos mais greves. Queremos soluções. E tempo está acabando", afirmou o presidente da Agepor, Carlos Ribeiro, em entrevista à RTP.

Um precedente perigoso

O Tribunal Arbitral já atuou em novembro, definindo níveis mínimos de serviço para a CLT (Companhia Logística de Terminais Marítimos, SA), mas isso não resolveu o cerne do problema. O que está em jogo não é só o salário de um funcionário portuário — é a credibilidade de Portugal como parceiro logístico. A Organização Marítima Internacional já alertou países europeus sobre riscos de desvio de rotas em portos com instabilidade laboral. E Portugal, que investiu €1,3 bilhão na modernização de Sines nos últimos cinco anos, corre o risco de ver esse dinheiro em vão. "Se os armadores não confiam na estabilidade dos nossos portos, eles vão embora. E não voltam", diz António Pinto, ex-diretor da Autoridade Portuária de Lisboa.

O que vem a seguir?

O que vem a seguir?

Com a greve estendida até 13 de dezembro, o calendário aperta. Se nada for resolvido antes disso, os trabalhadores já avisaram que podem iniciar uma terceira onda de paralisação. O Governo, por sua vez, tem até o dia 5 de dezembro para apresentar uma proposta formal ao sindicato — caso contrário, a pressão política crescerá. O PS e o Bloco de Esquerda já pediram audiência pública no Parlamento. O CDS e o PSD, por sua vez, exigem transparência sobre os valores do acordo. O que é certo: ninguém quer uma greve no Natal. Mas, se o silêncio persistir, o país pode acabar sem navios — e sem empregos — para o ano novo.

Frequently Asked Questions

Por que o Ministério das Finanças não implementa o acordo assinado pelas administrações portuárias?

O Ministério alega que o acordo extrapola os limites orçamentários do setor portuário, mas não apresentou uma contraproposta. O problema é que o acordo foi negociado e assinado diretamente pelas administrações portuárias — entidades com autonomia legal para definir salários e condições de trabalho. O Ministério está, na prática, invalidando acordos já celebrados, o que gera insegurança jurídica para todos os envolvidos.

Quais são os principais impactos econômicos da greve até agora?

As perdas já ultrapassam €5 milhões, com 40+ escalas de navios canceladas e queda de 67% na movimentação de carga em Setúbal. Empresas de logística, caminhoneiros e comerciantes locais estão em crise. Além disso, armadores internacionais como MSC e Maersk já desviaram rotas para portos mais estáveis, o que pode levar a perdas permanentes de mercado.

Quantos empregos estão ameaçados por essa greve?

Diretamente, cerca de 12.000 trabalhadores portuários e logísticos estão afetados. Indiretamente, mais de 50.000 empregos dependem da atividade portuária — desde restaurantes e hotéis até transportadoras e indústrias de exportação. Em regiões como Sines e Setúbal, onde o porto é o principal empregador, o impacto social é profundo e imediato.

O que acontece se a greve continuar após 13 de dezembro?

Se o impasse persistir, o sindicato já indicou que pode iniciar uma terceira greve, possivelmente mais longa e abrangente. Além disso, a União Europeia pode ser chamada a intervir, já que a instabilidade em portos estratégicos como Sines afeta a cadeia logística continental. A reputação de Portugal como hub logístico da Europa Atlântica está em risco real.

O governo já fez algo para resolver isso?

Até agora, não. O Governo permanece em silêncio público, apesar da carta aberta de 26 de novembro. O Ministério das Finanças não convocou reuniões com o SNTAP nem apresentou propostas alternativas. A falta de ação é vista como negligência estratégica por especialistas, que apontam que a inércia custa mais do que qualquer acordo negociado.

Por que Setúbal e Agepor estão tão envolvidos nisso?

Setúbal é o segundo maior porto de carga do país e um dos principais pontos de entrada de veículos e produtos agrícolas. A Agepor representa os agentes de navegação — os intermediários que organizam as escalas dos navios. Sem eles, os portos não funcionam. Ambos são os primeiros a sentir os efeitos das paralisações e os últimos a serem ouvidos. Por isso, uniram-se para alertar o Primeiro-Ministro — não por interesse corporativo, mas por sobrevivência.