Na quarta-feira, 21 de maio de 2025, São Paulo acordou paralisada. Sem ônibus, sem movimento, sem alternativa. Milhões de passageiros ficaram à mercê do caos urbano enquanto motoristas e cobradores, frustrados com as negociações salariais, decidiram não sair das garagens. A greve, que começou antes das 6h da manhã, afetou diretamente os principais terminais da cidade — do Centro à Zona Oeste, da Zona Norte à Zona Sul — e expôs a fragilidade do sistema de transporte público que mais de 12,33 milhões de habitantes dependem diariamente. O que parecia uma paralisação local se transformou em um colapso sistêmico, com o SPTrans tentando conter os danos e a Sambaíba, concessionária que opera 39 linhas na Zona Norte, no centro da tempestade.
Um dia que a cidade esqueceu de ligar o motor
A manhã de 21 de maio foi surreal. O Terminal Parque Dom Pedro, no coração do Centro, estava vazio. Nenhum ônibus chegava. Nenhum cobrador gritava destino. Apenas filas de pessoas com sacolas, mochilas e rostos cansados, olhando para os painéis que não piscavam. Na Zona Oeste, o Terminal Pinheiros funcionava como um museu de transporte: tudo no lugar, mas nada em movimento. Na Zona Sul, os terminais Capelinha e Campo Limpo pareciam abandonados — como se alguém tivesse apagado o botão da cidade.Na Zona Norte, o clima era de tensão. Motoristas da Sambaíba, cujas garagens ficam na Rua Maria Amália Lopes de Azevedo, no Tremembé, não saíram. E quando a polícia tentou forçar a abertura das portas, houve confronto. Um trecho de quatro minutos do SP1 mostrou cenas de gritos, gestos de desespero e policiais cercando ônibus estacionados — como se fossem carros abandonados. O conflito não era só físico. Era emocional. Era a dor de quem trabalha 12 horas por dia, por salários que não acompanham a inflação, contra a burocracia que insiste em tratar transporte como mercadoria, não direito.
Quem está por trás da greve? E por que agora?
A greve não foi um impulso. Foi o ápice de meses de negociações quebradas. Segundo o Jilmar Tatto, líder do sindicato dos motoristas, a proposta da prefeitura era insuficiente: aumento de 5% em um ano em que a inflação passou de 12%. "A volta dos ônibus depende de negociação", disse ele ao SP1, em entrevista de seis minutos que se tornou viral. "Eles querem que a gente trabalhe como se o custo de vida não tivesse explodido. Não é pedir demais. É pedir dignidade."A SPTrans tentou agir com o mesmo playbook de abril: enviou carta formal ao SindMotoristas pedindo o cancelamento da paralisação. Mas o cenário mudou. Em 28 de abril, a Sambaíba já havia sido multada por interromper o serviço desde as 3h50 — e só retomou às 5h45. Naquela ocasião, 17 mil passageiros foram afetados. Nesta, foram centenas de milhares. A diferença? Dessa vez, ninguém cedeu.
O custo humano de uma cidade sem ônibus
O impacto não se limita a atrasos. Um morador de Pirituba contou ao SP1 que fez um mutirão para pintar uma rua de verde e amarelo — não por torcida, mas como protesto silencioso. "É o que a gente pode fazer. Se a cidade não nos leva ao trabalho, a gente leva a nossa dor até a rua."Empregadas domésticas perderam o turno. Estudantes chegaram atrasados, alguns nem saíram de casa. Idosos que dependem do transporte para ir ao posto de saúde ficaram sem medicação. Um enfermeiro da Zona Leste, que trabalha em dois turnos, contou que teve que andar 12 quilômetros — e chegou com os pés sangrando. "Ninguém pensa nisso", disse ele. "Até quando vamos aceitar isso como normal?"
Segundo dados da SPTrans, a média diária de passageiros transportados em São Paulo é de 12 milhões. Na greve de 21 de maio, menos de 8% dos ônibus circularam. Isso significa que, por um único dia, mais de 11 milhões de pessoas tiveram sua rotina destruída — sem aviso, sem alternativa, sem compensação.
O que vem depois? A greve que pode mudar tudo
A prefeitura ainda não anunciou novas propostas. Mas o sinal está claro: a população não aceita mais promessas vazias. A greve de abril foi tratada como incidente. A de maio foi tratada como crise. E a próxima? Pode ser a última. O SindMotoristas já sinalizou que, se não houver avanço até o dia 27 de maio, haverá nova paralisação — desta vez, com apoio de outras empresas e sindicatos de transporte.Na Câmara Municipal, vereadores começam a pressionar por uma lei que obrigue empresas a divulgar contratos de concessão e a vincular reajustes tarifários a melhorias reais no serviço. "Não adianta aumentar a passagem se o ônibus não vem", disse a vereadora Ana Paula Moraes. "Isso não é greve. É um alerta."
Por que isso importa para todos nós?
São Paulo não é só uma cidade. É um organismo vivo, movido por transporte. Quando o ônibus para, o coração da cidade bate mais devagar. Quando os motoristas param, é porque o sistema falhou. Não com eles. Com todos nós. A greve não é um problema de sindicato. É um problema de cidade. E a pergunta que fica é: até quando vamos tratar o transporte público como um privilégio, e não como um direito básico?Frequently Asked Questions
Como a greve afetou os moradores da Zona Norte?
A Zona Norte foi a mais atingida, com 39 linhas da Sambaíba totalmente paralisadas. Moradores de bairros como Tremembé, Jaçanã e Perus tiveram que caminhar até 8 km para chegar a pontos de ônibus alternativos ou usar aplicativos de transporte, que triplicaram os preços. Muitos idosos e pessoas com deficiência ficaram isolados, sem acesso a serviços essenciais como farmácias e postos de saúde.
Por que a Sambaíba foi alvo da greve?
A Sambaíba é uma das maiores concessionárias da Zona Norte, com mais de 600 ônibus e 1.200 funcionários. Nos últimos dois anos, a empresa não reajustou salários conforme o IPCA, e os motoristas relatam jornadas de até 14 horas sem folga. Em abril, já havia sido multada pela SPTrans por interrupção parcial — o que gerou revolta entre os trabalhadores, que sentiram que a punição foi injusta, enquanto a empresa lucrou.
Qual foi o papel do SP1 na cobertura da greve?
O programa SP1 dedicou 67 minutos à cobertura em tempo real, com reportagens exclusivas nos terminais Parque Dom Pedro, Pinheiros, Capelinha e Campo Limpo. O jornalismo detalhado, com imagens de conflitos e entrevistas com motoristas, transformou a greve de um evento local em uma crise nacional, pressionando autoridades a responderem publicamente — algo raro em paralisações anteriores.
Existe algum precedente de greve tão ampla em São Paulo?
A última greve de ônibus com impacto semelhante ocorreu em 2023, quando 15 dias de paralisação afetaram 8 milhões de pessoas. Mas desta vez, a greve foi mais rápida, mais organizada e teve maior apoio popular — inclusive de moradores que pintaram ruas de verde e amarelo. Isso mostra uma mudança cultural: a população já não vê o transporte público como um serviço que pode ser interrompido, mas como um direito que não se negocia.
Quem são os responsáveis pela negociação atual?
As negociações estão entre o SindMotoristas, a SPTrans e as empresas concessionárias, incluindo a Sambaíba. A prefeitura, por meio da Secretaria de Mobilidade Urbana, atua como mediadora, mas não tem poder de impor reajustes. A decisão final depende de acordo entre os sindicatos e as empresas — o que torna o processo lento e, muitas vezes, injusto para os trabalhadores.
O que os passageiros podem fazer agora?
Além de se manter informado pelos canais oficiais da SPTrans, os passageiros podem participar de audiências públicas, assinar petições e pressionar vereadores a aprovarem leis que garantam reajustes automáticos de salários vinculados à inflação. A mobilização cívica é o único caminho para evitar que a próxima greve seja ainda mais devastadora — e mais necessária.