Na noite de segunda-feira, 27 de outubro de 2025, às 22:53, Cabo Pedro Nuno Marques Manata e Silva, de 50 anos, perdeu a vida enquanto cumpria o dever na Guarda Nacional Republicana (GNR). O militar, integrante da Unidade de Controlo Costeiro e de Fronteiras, foi atingido por uma lancha rápida durante uma operação de interdição no Rio Guadiana, próximo a Alcoutim, no distrito de Faro. A colisão, ocorrida em plena fronteira com a Espanha, deixou três outros militares feridos — dois em estado crítico, um estável — e acendeu um sinal de alerta sobre a crescente violência nas rotas de tráfico de droga no interior do país.
Uma noite de fogo no Guadiana
A operação começou quando a GNR recebeu um alerta de radares de vigilância sobre uma embarcação de alta velocidade, com características típicas de lanchas usadas por redes de narcotráfico. A unidade de Olhão, com base no Algarve, foi mobilizada imediatamente. O cabo Manata e Silva, com 28 anos de serviço, comandava a embarcação de patrulha quando, sem aviso, a lancha suspeita — estimada em mais de 90 nós — colidiu de frente com o veículo da GNR. Testemunhas locais relataram que o barco dos traficantes não freou, nem tentou desviar. "Foi um ato deliberado", afirmou uma fonte anônima da GNR. "Eles sabem que a gente está lá. E não ligam. Afrontam a lei como se fosse um jogo." A embarcação destruída foi encontrada horas depois, abandonada perto da foz do rio, com marcas de motores de alta potência e rastros de cocaína escondidos em compartimentos falsos. A Polícia Judiciária já prendeu dois suspeitos, ambos com passagens por tráfico internacional, e investiga se o barco estava ligado a uma rede que opera entre Marrocos, o sul da Espanha e o interior de Portugal.Reações de Estado: solidariedade e pressão
Na manhã de terça-feira, Marcelo Rebelo de Sousa visitou pessoalmente a família do cabo em Lisboa. "O Presidente abraçou a esposa, os filhos, os pais. Não falou muito. Só disse: 'Obrigado por protegerem a nossa pátria.'" A Presidência da República confirmou que o Chefe de Estado está acompanhando de perto a evolução dos três militares feridos, todos tratados no Hospital de São Francisco Xavier, em Évora. Ao mesmo tempo, o Ministério da Administração Interna, liderado por Maria Lúcia Amaral, divulgou um comunicado oficial: "Perdemos um herói. Um homem que escolheu o dever acima do medo." A ministra anunciou ainda que, até 15 de novembro, será revisado todo o protocolo de operações fluviais — incluindo o uso de embarcações mais blindadas e a ampliação da cobertura de radares no Guadiana."Nossa profissão é de risco"
Enquanto o Estado reage, a Associação Nacional de Oficiais da GNR (ANOG) levanta a voz. Em comunicado, seu presidente — que pediu anonimato por medo de retaliação — afirmou: "Não podemos mais aceitar que um militar que morre no cumprimento do dever seja tratado como um funcionário público comum." A ANOG aponta para um precedente: em julho de 2024, após o acidente de helicóptero que matou quatro militares da GNR durante combate a incêndios rurais, o governo pagou 205 mil euros a cada família. "Foi o primeiro passo. Agora, é preciso fazer isso para todos. Não só para os que morrem em operações aéreas." O pedido é simples, mas revolucionário: reconhecer oficialmente a GNR como profissão de risco, como já acontece com bombeiros e polícias em muitos países europeus. Isso significaria acesso automático a pensões mais altas, cobertura de saúde integral para familiares e reconhecimento legal da natureza mortal do trabalho.O Rio Guadiana: fronteira invisível
O Guadiana, que separa Portugal da Espanha por 140 quilômetros, é uma das rotas mais usadas por traficantes. A geografia é perfeita: águas calmas, margens desabitadas, e pouca vigilância em comparação com o litoral. Desde janeiro de 2025, a Operação ÁGATAPortugal-Espanha — uma iniciativa conjunta entre os dois países — intensificou a fiscalização. Mas os traficantes adaptaram-se: usam barcos mais rápidos, com motores escondidos e GPS de última geração. A GNR tem cerca de 1.200 homens dedicados ao controle costeiro e fluvial. Mas apenas 180 estão alocados ao Guadiana — e muitos patrulham em embarcações de 2009, sem blindagem, com motores que não alcançam os 50 nós. "É como mandar um carro de passeio enfrentar um F1 em uma estrada escura", disse um oficial da unidade de Olhão, que pediu para não ser identificado.O que vem a seguir?
Na quarta-feira, 29 de outubro, o Presidente da Assembleia da República deve abordar o caso em sessão plenária. A oposição já anunciou que pedirá um inquérito parlamentar. O governo, por sua vez, prometeu aumentar o orçamento da GNR para 2026 — mas sem detalhes. Enquanto isso, o corpo do cabo Manata e Silva foi velado na sede da GNR em Olhão. Milhares de pessoas se reuniram nas ruas. Alguns levavam bandeiras. Outros, apenas flores. Um homem, de 72 anos, segurava um cartaz: "Nunca mais."Frequently Asked Questions
Por que a família do cabo não recebeu compensação automática como nos casos anteriores?
Atualmente, a lei portuguesa não classifica automaticamente mortes em serviço da GNR como "morte em serviço de risco". Embora em 2024 as famílias dos militares mortos no acidente de helicóptero tenham recebido 205 mil euros, esse valor foi concedido por decisão administrativa, não por legislação. A ANOG exige que essa compensação se torne padrão legal, mas até agora o governo só a concede caso a caso, dependendo da natureza da operação e da pressão pública.
Quais são os riscos reais enfrentados pelos militares da GNR no Rio Guadiana?
Os militares enfrentam embarcações armadas, com velocidades acima de 90 nós, que não respeitam ordens de parada. Em 2024, houve 17 tentativas de atropelamento contra patrulhas fluviais. A maioria dos barcos usados pelos traficantes é equipada com motores de alta potência, sistemas de GPS de última geração e até armas de fogo. Sem blindagem nas embarcações da GNR, um simples impacto pode ser fatal — como aconteceu com o cabo Manata e Silva.
O que é a Operação ÁGATA e por que ela não impediu essa colisão?
A Operação ÁGATA, lançada em janeiro de 2025, é uma cooperação entre Portugal e Espanha para combater o tráfico transfronteiriço. Embora tenha aumentado as apreensões em 40%, ela ainda depende de radares e patrulhas visíveis — que traficantes evitam com rotas não mapeadas e barcos sem sinal. A operação não tem recursos para cobrir 100% do rio, e os narcotraficantes atacam em horários de baixa visibilidade, como a noite — exatamente quando o incidente ocorreu.
A GNR tem equipamentos adequados para operações fluviais?
Não. Das 42 embarcações da Unidade de Controlo Costeiro e de Fronteiras, 23 têm mais de 15 anos de uso, e apenas 5 são equipadas com blindagem leve. Os motores são frequentemente insuficientes para perseguir lanchas de contrabando. A GNR já pediu 12 novas embarcações desde 2023, mas o orçamento só aprovou duas — e ainda não foram entregues. O cabo Manata e Silva estava em uma embarcação de 2009, com motor de 250 cv — enquanto a lancha dos traficantes tinha 1.200 cv.
Há precedentes de mortes da GNR em operações fluviais?
Sim. Em 2018, um guarda morreu após uma colisão no Rio Minho, também na fronteira com a Espanha. Em 2021, outro militar foi atingido por tiros durante uma abordagem no Douro. Mas nenhum desses casos gerou mudanças estruturais. O que diferencia este caso é a reação do Presidente da República e a pressão da ANOG — que agora exige um marco legal, não apenas condolências.
O que pode mudar após esse incidente?
A pressão política pode forçar o governo a aprovar uma lei que reconheça a GNR como profissão de risco, garantindo compensação automática de 205 mil euros a todas as famílias de militares mortos em serviço. Também há chances de aumento de orçamento para novas embarcações blindadas e a criação de uma unidade especializada em interdição fluvial, com treinamento em táticas de alta velocidade. Mas tudo depende da velocidade da Assembleia — e da vontade política de não esquecer o nome do cabo Manata e Silva.